Prisão após segunda instância tem maioria no Congresso
Placar aponta que ao menos 341 parlamentares apoiam alguma mudança na legislação que permita a execução antecipada da pena
24 nov 2019
05h11
atualizado às 08h47
Em discussão no Congresso, a retomada da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância tem apoio da maioria dos parlamentares. Placar do Estado aponta 51 senadores e 290 deputados favoráveis à tese — 341, de um total de 594 representantes. No Senado, já há aval declarado para a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição, enquanto que na Câmara dos Deputados faltariam apenas 18 votos para alcançar o mínimo exigido, sempre em dois turnos.
O total de parlamentares que não quiseram responder indica que uma PEC sobre o tema tem chances de receber o aval do Congresso. São 119 deputados e 21 senadores nesse grupo. Outros 56 se declaram publicamente contra em ambas as Casas.
Em debate no Legislativo desde fevereiro, quando o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro,
apresentou seu pacote anticrime, a proposta de estabelecer em lei a
prisão após condenação em segunda instância ganhou relevância após o Supremo Tribunal Federal vetar
essa possibilidade antes do trânsito em julgado (quando esgotados todos
os recursos). No dia 7, em um julgamento apertado, a Corte mudou o
entendimento em vigor desde 2016 e abriu caminho para a libertação,
entre outros, de presos por corrupção, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Como reação, congressistas entusiastas da Operação Lava Jato passaram a pressionar os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para pautar propostas que estabeleçam uma regra definitiva sobre o tema. Mais avançada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou uma PEC, na semana passada, nesse sentido. De autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP), a proposta altera os artigos 102 e 105 para reduzir a possibilidade de recursos.
Versão atual da PEC é mais palatável, diz autor da proposta
O texto foi o segundo proposto por Manente. O
primeiro, que mexia no artigo 5.º da Constituição — o que trata sobre a
"presunção de inocência", considerada por parte da classe jurídica como
cláusula pétrea —, foi descartado pelo risco de nova judicialização.
"Essa PEC é mais palatável aos deputados. Prevê que o trânsito em
julgado se dê já na segunda instância. Dessa forma, as cortes
superiores, como o Superior Tribunal de Justiça e STF, só poderiam
analisar ações revisionais e não mais recursos especiais", disse Manente. O placar na comissão foi folgado: 50 a favor e 12 contra.
A avaliação, no entanto, de que a alternativa não fere a Constituição não é consenso. Para o líder do PCdoB, Daniel Almeida (BA), a nova PEC de Manente é um "atalho". "Estão querendo discutir atalhos perigosos. Isso é cláusula pétrea", afirmou Almeida.
O partido é um dos autores da ação que levou o Supremo a mudar de posição. Além do PCdoB, as bancadas do PT e do PSOL também são majoritariamente contrárias. Líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS) disse que todos no partido votariam de forma contrária, mesmo que parte não tenha respondido ao Estado.
Do outro lado, alguns partidos favoráveis à tese da possibilidade de
prisão após condenação em segunda instância fecharam questão. É o caso
do Novo, do Patriota e do PV, cuja líder, deputada Leandre (PR),
se disse preocupada apenas com a escolha do "ordenamento jurídico"
adequado. "Temos de ver qual artigo da Constituição podemos alterar sem
ferir os direitos individuais. Essa sensação de impunidade que as
pessoas começaram a sentir de novo, após a decisão do Supremo, merece
ser abordada", disse a parlamentar do PV.
Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, a soltura do ex-presidente Lula esquentou o debate. "Há uma pressão enorme da sociedade e dos grupos favoráveis. O Congresso tende a dar uma resposta. Isso (resultado do placar)
significa que essa pressão está funcionando", disse o professor, que
esperava uma Câmara dividida. "Essa posição majoritária a favor está
mais alta do que eu imaginava", afirmou.
No Senado, opção é por mudança no Código Penal
No Senado, a CCJ cogita votar outra opção: uma mudança no Código de Processo Penal para
disciplinar a execução da pena após a condenação em segunda instância.
Por se tratar de um projeto de lei, a matéria pode ser aprovada no
plenário da Casa com maioria simples (41 votos), enquanto uma PEC
exigiria aval de 49 senadores.
O senador Cid Gomes (PDT-CE)
se mostrou favorável, desde que a mudança se dê por uma mudança no
Código de Processo Penal. "Algo que definisse por tipificação de crime
quando se daria o trânsito em julgado. Quando for julgamento de júri,
por exemplo, o trânsito em julgado já se daria em primeira instância."
Na avaliação do cientista político Marco Aurélio Nogueira, da Unesp,
o formato do texto deve ser levado em consideração. "Uma PEC mexe com
preceitos constitucionais. É provável que ela entre numa dinâmica de
apreciação jurídica e volte para o Supremo", afirmou Nogueira.
"O placar é significativo, mas, se a dinâmica for só de jogar para a
plateia, de agradar a opinião pública, não vai ter efetividade",
avaliou./ ADRIANA FERRAZ, DIEGO SALMEN, FÁBIA RENATA, FERNANDA
BOLDRIN, FERNANDA YONEYA, JOÃO KER, DANIEL SILVEIRA, PAULO BERALDO,
TOMÁS CONTE, VALMAR HUPSEL FILHO e VINÍCIUS PASSARELLI
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